terça-feira, 25 de abril de 2017

Cravo cor de Abril

Um ano passado e floresceu.
Plantara essa semente
que vivo vermelho viria a ter,
com uma pitada da esperança
de quem a viveu um dia.
Poder torná-la protagonista do meu casaco preto,
enamorá-la com o meu sorriso.
Dar-lhe uma nova vida,
para além dessa subtil
que vivera, enquanto crescia, no meu jardim.
Mostrar-lhe a luz deste dia,
mostrar-lhe Abril.
Beijá-la como quem beija a História.
Inalar o seu perfume,
sob o imaginário de um passado
de que não se privilegiou a minha memória.
Poder ter-te ao peito
sentindo a liberdade das ruas.
Poderes ser cravo tom de amor
mesmo na constante urgência da sua existência,
num tempo que corre ágil,
volátil.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Estar só não é solidão

A música era simples e serena, por isso, adormeci no sofá. Só acordei quando a grafonola fez silêncio. O que é curioso, já que o ruído me fez dormir e o silêncio me fez despertar. Espreguicei um pouco as pernas e esfreguei os olhos. A janela pintava a despedida do sol, a noite ia abraçando o dia. Adormecera há quanto tempo? Na verdade não era algo com me importasse realmente... Ninguém me esperava, tinha o tempo só para mim, a casa só para mim. Tinha-me a mim só para mim. Às vezes suspirava. Mas estar só não é solidão.
Começara a chover, o que finalmente fazia com que as minhas janelas ficassem menos sujas (ou, pelo menos, ajudava a remediar). É engraçado, se há alguém que não sabe agir sozinha é, precisamente, a Chuva. Sempre acompanhada pelas nuvens e por uma imensidão de comadres, em constantes corridas a ver quem chega primeiro cá abaixo. Agora que penso, a Lua também se faz acompanhar pelas estrelas, mesmo que estas possam brilhar mais que ela. Já o Sol anda quase sempre sozinho, se bem que pouca diferença lhe faz, já que tudo gira à sua volta. Está bem. Talvez me sinta um pouco só, mas, mais uma vez, separo-me da solidão. Porém, se nos juntássemos resolveríamos esse problema. Solidão, queres vir jantar comigo? Não custa nada colocar mais um prato na mesa.
Olhem para mim a falar com a Solidão, a convidar-me a mim própria para tudo o que ela acarreta. Nem nos conhecemos bem sequer, não nos daríamos muito bem. Eu gosto de andar por aí com cara alegre, não de viver debaixo da sombra. Eu cá me arranjo, Solidão. Estar só não é solidão. Acho que me vou convidar para jantar. Um cinema depois, talvez. Com certeza ainda teremos muitas conversas a pôr em dia, como esta. Ainda veremos muitos pôr-do-sol, muitas crianças a correr na rua. Ainda ouviremos muita chuva a bater na janela e muita música a soltar-se pela grafonola. Olha só, a primeira estrela no céu. Dizem que é Vénus, tão brilhante e tão intensa. A primeira a chegar e a última a sair. 

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Mind in the dark

The lights are fading their souls out,
the lights are whipping their ghosts.

The dreams are wasted for no role,
while minds are freaking loudly.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Libertina

Esse amor é maior que o meu,
ou achas que não?
Platónico.
Tectónico. 
Por poder ser desenhado
pela tua mão.
Sem rosto, sem corpo, sem nudez.
Um mergulho profundo,
só.
Sem toque, sem gemido, sem timidez.
Um imaginário mirabolante,
dó. 
Abraços no silêncio,
abrigo sem tecto,
pés sem chão.
Suspiro na lentidão.
Gestação do tempo,
paciência, feto. 
Contracções ventriculares prematuras,
sem paragens,
constantes.
No deserto em tonturas,
pés descalços na areia.
Instantes.

domingo, 8 de maio de 2016

Sobre livros

Adoro rabiscar livros.
Sublinhar linhas a fio, escrever anotações, pintar os espaços em branco das letras.
Acho que lhes dá mais vida, mais história, mais cor.
Mas não os rabisco a todos.
Alguns não precisam de mais estórias para além das suas.
A alguns deixo que mantenham o cheiro a que me acostumaram.
Cheiro a novo, a velho, a mofo; o que for.
A outros rabisco-os só com o meu nome na primeira página.
Porque são meus. Ou então porque quero que àquele que o pegue saiba a sua origem.
Também adoro cheirar os livros.
E começar por ler a sua última folha. Não exactamente por ler mas por rebeldia.
E ver restos de borracha entre as folhas.
Adoro livros de poesia.
Com páginas e páginas quase que vazias, quase que cheias de nada.
Ou então cheias de tudo.
Pequenos ou grandes versos.
Com palavras que bailam entre cada desfolhar.
Adoro emprestar livros. Ou dá-los mesmo que por empréstimo.
Mas em alguns não rabisquei o meu nome e não se sabe a origem.
Ou então esquece-se.
Como muitas coisas que se lêem e outras tantas que permanecem.
Também adoro recordar os motivos desses rabiscos.
Que por vezes são nenhuns.
Mas que acabam, mesmo assim, por serem tantos.



segunda-feira, 25 de abril de 2016

Banana

Despertou-se-me um desejo a banana
que pouco engana
esta fome que acresce em mim.
Comendo-a com toda a gana
vou esquecendo que a rapidez faminta
de pouco ou nada sacia
esse (des)prazer desconsertado.
Mesmo assim 
lá me vou enganando um bocado
já que o prazo é agora absoluto.
Aproveito então esta banana
pois aquela que me chama
não mais dela tirarei proveito.
Que não me censurem com catanas
se é voz sincera 
esta que tenta gracejar.
Se me apetece banana
e apetecer não posso travar
senão consolar-me de fantasia bananal
(ou deveria eu dizer bacanal).

segunda-feira, 7 de março de 2016

VII/III

Que vida tacanha
que tanto me estranha
não saber de quem é.
Há tanta manha
que a dor na entranha
fica a doer a valer.
Não há quem me tenha
mas sempre que cá venha
valerá a pena.
E daqui ninguém ganha
só se for uma senha
para desaparecer.

Ainda não disse "não"
disse agora e então
que vai acontecer?
Rebelde que leva sermão
reconhece o senão
de vir a perder.
Fugir da podridão
é encontrar a solidão
mas acabar por ganhar.
Se a conquista não é intenção
por que continua o porão
recheado de prazer?

Que de toda a façanha 
não incomode um coração
que chora sem se saber.